Toponímia de Lisboa

Toponímia de Lisboa

Em 22 de dezembro deste ano cumpre-se o 50.º aniversário da morte de José Régio (1901-1969), escritor vila-condense nascido a 17 de setembro e figura incontornável da  revista Presença que cultivou a poesia, o romance e o teatro, para além de se dedicar ao desenho e cuja história de vida também se liga a  Portalegre, onde foi professor durante largos anos, sendo também possível descobrir o seu percurso pelas ruas de Lisboa.

É esse roteiro* das ruas alfacinhas ligadas a José Régio, quer como escritor quer como cidadão, que neste mês de julho será o nosso tema, com o apoio imprescindível do CER – Centro de Estudos Regianos, particularmente, da sua presidente, Isabel Cadete Novais.

 

*Disponível em https://toponimialisboa.wordpress.com/ 

Do primeiro livro publicado de José Régio – Poemas de Deus e do Diabo – o poema “Cântico Negro”
dito por Pedro Lamares.

A Avenida José Régio

José Régio, o escritor vila-condense que a maioria reconhece como autor do poema “Cântico Negro”, inserido em Poemas de Deus e do Diabo, edição com que em 1926 se iniciou na literatura, esteve desde 1971 para ser topónimo de Lisboa mas tal só se concretizou em 1997 com a Avenida José Régio atribuída no arruamento projetado entre a Avenida Dom  Rodrigo da Cunha e a Avenida Dr. Arlindo Vicente, pelo Edital municipal de 7 de agosto de 1997.

Antes de se completarem dois anos da morte de José Régio, a Comissão Municipal de Toponímia de Lisboa na sua reunião de 5 de março de 1971, ao escolher topónimos para a Quinta do Morgado foi de parecer que a Rua A, incluindo o Impasse A 5, se denominasse Rua José Régio e levasse como legenda «Poeta/1901 – 1969». Todavia, cerca de quinze dias passados, na reunião seguinte da Comissão de Toponímia – em 19 de março de 1971- , o arruamento designado passou a servir para concretizar a Rua Vice-Almirante Augusto de Castro Guedes dado que o então Presidente da CML, Eng.º Santos e Castro, solicitou  «indicação de arruamentos condignos para perpetuar os nomes de José Régio e Doutor João de Barros», tendo a Comissão considerado «a dificuldade de encontrar arruamentos condignos» e sugerido a Rua O da Malha I de Chelas para executar uma Avenida José Régio.

Contudo, só na reunião da Comissão de Toponímia de 9 de maio de 1997 voltamos a encontrar José Régio como prioritário na lista dos nomes em carteira, recebendo parecer favorável na reunião de 20 de junho de 1997 da Comissão Municipal de Toponímia de Lisboa, nascendo assim pelo Edital municipal de 7 de agosto de 1997 a Avenida José Régio, com a legenda «Escritor/1901 – 1969», que mereceu cerimónia de inauguração em 12 de setembro desse mesmo ano, mês de aniversário de nascimento do homenageado.

A Rua João Villaret,
aquele que declamou Régio

João Villaret tornou conhecida a poesia de José Régio ao declamá-la em recitais que enchiam plateias nos teatros do país, assim como no seu programa semanal na RTP, sendo particularmente recordadas as suas interpretações dos poemas regianos Cântico Negro e Toada de Portalegre. Acresce que a sua ligação de amizade a Régio também se fez por via epistolar.

A Avenida da Liberdade do «Diário de Notícias» que premiou Régio em 1961

Desde 1940 na Avenida da Liberdade, num edifício traçado para o efeito por Pardal Monteiro, o jornal Diário de Notícias, fundado em 1864 no Bairro Alto, na então Rua dos Calafates que vinte e um anos depois passou a ser a Rua Diário de Notícias, atribuiu em 1961 a José Régio  o seu Prémio anual, no valor de 30 mil escudos (seriam hoje cerca de 150 euros).

A decisão do Prémio Anual DN 1961 agraciar José Régio foi tomada por maioria de um júri presidido pelo Dr. Augusto de Castro (diretor do jornal), em conjunto com o Prof. Jacinto do Prado Coelho em representação do Ministério da Educação, o Dr. Ramiro Valadão em representação do SNI – Secretariado Nacional de Informação, Alves Redol pela Sociedade Portuguesa de Escritores, Luís de Oliveira Guimarães pela Sociedade de Escritores e Compositores Teatrais, Martinho Simões pelo Sindicato dos Jornalistas e ainda, António Quadros, o Prof. Delfim Santos, Luís Forjaz Trigueiros e Luís Teixeira.

A Rua do Carmo e «Benilde ou A Virgem-Mãe» de Régio

Há 72 anos, em 1947, foi publicada a 1.ª edição da peça Benilde ou A Virgem-Mãe, de José Régio, pela sucursal do Porto da Portugália, aberta dois anos antes, em 1945.  A sede da editora Portugália era no nº 75  da Rua do Carmo, hoje na Freguesia de  Santa Maria Maior, e nesse mesmo ano, a peça foi levada à cena pela Companhia Amélia Rey Colaço – Robles Monteiro, no palco do Teatro D. Maria II, na Praça D. Pedro IV que tão próxima está da Rua do Carmo.

Benilde ou a Virgem-Mãe é uma peça de José Régio que mostra uma jovem Benilde a viver num solar no Alentejo, com o pai e uma velha criada da família, a quem o médico da casa confirma que está grávida e no contexto daquela época a explicação da rapariga para o seu estado é uma  intervenção divina. Em 1947, ano da sua publicação, estreou ao público a  25 de novembro de 1947, no Teatro Nacional D. Maria II, com Maria Barroso no papel de Benilde. Mais tarde, em setembro e outubro de 1974, também Manoel de Oliveira a adaptou para o seu filme homónimo, estreado em 21 de novembro de 1975 no Apolo 70.

Fernando Pessoa e Mário de Sá Carneiro
na tese de licenciatura de José Régio

José Régio licenciou-se em Filologia Românica,  na Faculdade de Letras de Coimbra, em 1925, com a tese intitulada As correntes e as individualidades na Moderna Poesia Portuguesa, o primeiro trabalho que faz a apologia dos poetas da revista Orpheu, sobretudo dos seus fundadores, Fernando Pessoa e Mário de Sá Carneiro que também se encontram na memória das ruas lisboetas, sendo a tese  regiana inovadora a ponto de nela apresentar Fernando Pessoa como nome cimeiro da poesia contemporânea, quando este autor ainda não possuía nenhuma edição em livro mas apenas poemas publicados em publicações periódicas.

A quinhentista Travessa da Queimada
e a novela regiana Davam grandes passeios aos domingos

No 1.º andar direito do n.º 23 da Travessa da Queimada esteve instalada a Editorial Inquérito responsável pelas primeiras edições de quatro obras de José Régio:
o ensaio Em torno da expressão artística (1940),
a novela  Davam Grandes Passeios aos Domingos (1941),
o romance O Príncipe com Orelhas de Burro (1942),
e a peça A Salvação do Mundo (1954).

Régio na  Comissão dos Escritores, Jornalistas e Artistas Democráticos
do MUD e a Rua da Trindade

José Régio não era um cidadão alheio aos acontecimentos sociais e assim, teve envolvimento político quando as situações críticas da vida nacional o justificavam, tanto que em 1945 integrou a  Comissão dos Escritores, Jornalistas e Artistas Democráticos do MUD-Movimento de Unidade Democrática, que tinha a sua sede no 3.º andar do n.° 15 da Rua da Trindade.

Em novembro de 1946, esta Comissão entregou uma missiva ao Presidente da República, em que protestavam o seguinte: «Passado ano e meio sobre a vitória das Nações Unidas, que significou para quase todos os países civilizados a liquidação do fascismo, nas suas formas mais odiosas e mais vis; passado mais dum ano sobre o discurso do Chefe do Governo Português, em que se prometia à opinião pública nacional mais larga expressão dos seus direitos civis e políticos – sentem-se os signatários no dever intelectual e moral de vir protestar perante V. Exª e perante o país contra as opressões, as arbitrariedades e as violências que continuam sendo praticadas, sob o signo da autoridade constituída, contra cidadãos que exercem aqueles mesmos direitos e, o que é talvez pior, contra a dignidade humana e a cultura.» E terminavam com uma justificação do seguinte teor: «Como portugueses e trabalhadores do espírito assiste-nos o direito de chamar a atenção de V. Exª e da Nação para as violências cometidas – contra a lei, contra o senso de justiça, contra a dignidade da cultura – em prejuízo de intelectuais portugueses cuja pessoas e cujas obras constituem um património honroso da comunidade nacional a que pertencemos. É em nome desse direito que formulamos este protesto reclamando Justiça e Liberdade.»

Docente no Liceu de Portalegre, José Régio participava na Comissão Concelhia do MUD de Portalegre desde 1945 e em 1949, integrou também a Comissão Distrital de Portalegre da campanha de Norton de Matos à Presidência da República, assim como mais tarde, em 1958, vai aderir à candidatura de Humberto Delgado.

Abaixo-assinado da Comissão dos Escritores, Jornalistas e Artistas Democráticos
do MUD – Movimento de Unidade Democrática,
em novembro de 1946, onde se inclui José Régio.

(outros nomes presentes na toponímia de Lisboa estão assinalados a azul)

A Rua Áurea da Livraria Rodrigues
e de Camões organizado por Régio

Livraria Rodrigues, que era também Sociedade Editorial e Livreira, fundada em 1863 e sediada nos nºs 186-188 da Rua Áurea, publicou a poesia lírica de Camões numa edição organizada por José Régio, que também redigiu uma introdução e colocou notas que facilitassem a compreensão do poeta Luís Vaz de Camões para o público em geral.

A Livraria Rodrigues serviu de primeira sede do modernismo português para os membros da revista Orpheu e até aos anos sessenta do séc. XX foi uma editora de livros escolares, graças a uma gráfica instalada na sua retaguarda.

José Régio foi também um antologista em cuja obra se  incluem várias, sendo esta Luís de Camões publicada em 1944, na coleção «As melhores páginas da Literatura Portuguesa» da lisboeta Livraria Rodrigues. Refira-se que no mesmo ano, mas na Portugália da Rua do Carmo, vieram a lume As Mais Belas Líricas Portuguesas, também com seleção, prefácio e notas de José Régio.

Régio organizou mais antologias publicadas de 1945 a 1967. Com Alberto de Serpa organizou Poesia de Amor (1945), para a portuense Livraria Tavares Martins;  Alma Minha Gentil (1957), antologia de poesia de amor portuguesa, assim como Na Mão de Deus (1958), antologia de poesia religiosa portuguesa, ambas para a Livraria Portugália. A solo, organizou e prefaciou Poesia de Ontem e de Hoje Para o Nosso Povo Ler (1956), para a Campanha Nacional de Educação de Adulto e a partir de 1958 organizou e anotou para a lisbonense editora Artis dezanove antologias:  Os mais belos sonetos de Camões (1958); Os mais belos sonetos de Bocage, A mais bela écloga portuguesa: Crisfal  e As mais belas poesias de Rodrigues Lobo(todas em 1959); As mais belas poesias trovadorescas e As mais belas poesias de Tomás Gonzaga (em 1960); As mais belas poesias de Sá de Miranda e As mais belas poesias de António Ferreira (em 1961); Cancioneiro Geral de Garcia de Resende  e  As mais belas poesias de Diogo Bernardes (em 1962); As mais belas redondilhas de CamõesAs mais belas poesias de Frei Agostinho da Cruz e As mais belas canções e odes de Camões (todas as três em 1963); Os mais belos cantos de Gonçalves Dias e As mais belas poesias gongóricas (1964); As mais belas poesias de Castro Alves (1965); As mais belas poesias de Olavo Bilac e Os mais belos sonetos de Antero (1966) e As mais belas poesias de Bernardim Ribeiro (1967).

Régio, «As Encruzilhadas de Deus»
e a Alameda António Sérgio

José Régio publicou, em 1936, As Encruzilhadas de Deus, com capa e desenhos do seu irmão Júlio, nas Edições Presença – Atlântida de Coimbra e enviou esta obra a António Sérgio que lhe retribuiu com o seu parecer, em carta datada de 21 de setembro de 1936, escrita na Pensão Colaço de Alcoentre, sendo sabido que os dois escritores se corresponderam entre 1933 e 1958.

Desde a estreia de Régio em 1926 com Poemas de Deus e do Diabo, que o poeta vilacondense terá delineado manter a temática religiosa e foi assim reunindo os poemas que produzia neste âmbito, para intitular «Novos Poemas de Deus e do Diabo» mas de que acabou por resultar cerca de dez anos o novo título de 1936, por muitos considerado uma obra-prima com a sua poesia torrencial, reflexiva, lírica e dramática. Também em 1926, de  23 a 26 de abril, realizaram-se na Lusa Atenas sessões de divulgação da Seara Nova, dinamizadas por António Sérgio, a que  José Régio assistiu tendo depois colaborado na revista até 1940, ano em que António Sérgio e Mário de Azevedo Gomes abandonaram a da revista embora António Sérgio tenha regressado em 1947 e Régio em 1949, no n° 1116, de 28 de maio de 1949. Nesse ano de 1949, José Régio escreveu o artigo «O recurso ao medo», anunciado pelo jornal República de 16 de Janeiro, acabando por ser publicado num pequeno volume de 64 páginas dos Serviços Centrais da Candidatura de Norton de Matos, com o título genérico de «Depoimento contra Depoimento», numa clara alusão ao discurso «O meu Depoimento», de Salazar, de 7 de janeiro de 1949, no Palácio da Bolsa do Porto.

O «Fado Português» de José Régio e o Jardim Amália Rodrigues

O «Fado Português» de José Régio foi musicado por Alain Oulman para ser interpretado por Amália Rodrigues que em Lisboa dá nome a um Jardim nas Avenidas Novas, no topo do Parque Eduardo VII.

José Régio publicara esse poema no seu Fado, obra editada em Coimbra em 1941, com desenhos do seu irmão Júlio. Alain Oulman musicou esse poema de Régio para a voz de Amália e juntou outros poetas portugueses para criar aquilo que se veio a denominar novo fado, do que resultou o disco Fado Português da fadista, editado internacionalmente em junho de 1965 e em Portugal, apenas em 1970, pela Valentim de Carvalho.

José Régio e a Rua António Botto

José Régio saudou a edição de Ciúme de António Botto, em artigo publicado no Diário de Lisboa de 21 de julho de 1934 e, quatro anos mais tarde, publicaria um ensaio sobre este escritor intitulado António Botto e o Amor, significativamente dedicado a Fernando Pessoa que foi o primeiro a descobrir aquele poeta e a mostrar a sua originalidade poética.